29.6.07

a carta


(...)
Há janelas sem conta nestas casas cheias de frontões, de varandas e colunatas, de toda a espécie de ornatos barrocos. Janelas cheias de olhos. ...Há também sombras mascaradas de alegria na esquina dos edifícios com grandes flores de pedra.
Nunca amei tanto a luz como nos dias em que vinhas estar comigo; todas as coisas tinham mais realidade do que aquela que o nome lhes confere.
...Senti-me pela primeira vez eu e não uma coisa para aqui. Com um infinito pudor de te dizer esse milagre, que nem para mim ousava definir.
Tardes em que mordi a vida como quem morde um fruto agridoce e precário, com o sabor universal de que eu estava excluído.


Urbano Tavares Rodrigues, Ao Contrário das Ondas

foto de katia chausheva

26.6.07

omertà



coisa nenhuma tem uma luz tão intensa como
as palavras caladas
sobre o que em mim sinto deserto…



foto de mariana castro



24.6.07

variações da blogosfera, não a arte da fuga...


Nuper rosarum flores – terribilis est locus iste
(As rosas chegaram há poucoeste lugar é terrível)
Guillaume Dufay, motete*


De acordo com Charles Warren*, é possível divisar o misticismo do número 7 no motete:
7 versos por estrofe
7 sílabas por verso
7 duplex longas ou maximodi
7…

Moriana ousa quebrar o misticismo do 7, porque 7 são as notas (dó-ré-mi-fá-sol-lá-si) na origem de uma multiplicidade de géneros, estilos, formas…
agradece as rosas, mas este lugar é terrível. prefere ondular por todas as melodias :)


*Motete escrito para a cerimónia de consagração de
Santa Maria del Fiore (Duomo), Florença, 1436
*V. Charles W. Warren, Brunelleschi’s dome and Dufay’s motet
foto de Moumine

20.6.07

eternity


momento infinito é quando me afagas com o beijo de ontem...




foto de katia chausheva

19.6.07

limite do real


a casa. lírica nostalgia em que envolve todos os rostos
tão próxima da solidão em que habito
.

15.6.07

in a manner of reading...


(...)
I could actually see and hear my tears dripping down into the white pool of moonlight, where they were sucked in as if they had always been part of the light. As they fell, the tears caught the light of the moon and sparkled like beautiful crystals. Then I noticed that my shadow was crying too, shedding clear, sharp shadow tears. Have you ever seen the shadows of tears, Mr Wind-up-Bird?. They’re nothing like ordinary shadows. Nothing at all. They come here from some other, distant world, especially for our hearts. Or maybe not. It struck me then that the tears my shadow was shedding might be the real thing, and the tears that I was shedding were just shadows. You don’t get it, I’m sure, Mr Wind-up-Bird.

Haruki Murakami, The Wind-up-Bird Chronicle


foto de katia chausheva

14.6.07

gently...




que importa se o vento tange sons de uma madrugada morta.
the heart has not stopped, de boca em boca se irá consumindo.





foto de lilya corneli

11.6.07

the monster and the beauty






Leonorete,
fin roseta
bella sobre toda fror

...
lais de leonoreta










segui-te no trilho das palavras, mas nenhum caminho tinha fim. encontrei-te num poema ferido dos meus passos.


foto de xxANGeLiCFRuiTCaKExx

8.6.07

Orlando


(...)
As aves cantaram, as águas rolaram. Lembrou-se do prazer que sentira ao ver Sasha pela primeira vez, há centenas de anos. Nessa altura fora a sua vez de perseguir; agora competia-lhe fugir. Qual dos êxtases é o maior? O do homem, ou o da mulher? Serão eles equivalentes? Não, concluiu depois de ter agradecido e recusado ao capitão. O feminino era mais delicioso: recusar e vê-lo franzir a testa. Bom, é certo que, se ele o desejasse, poderia aceitar um pedacinho. Esta era a parte mais deliciosa de todas, ceder e vê-lo sorrir. "Sendo assim", pensou, voltando a sentar-se no lugar que ocupava no convés e continuando o seu raciocínio, "o melhor é resistir e ceder; ceder e resistir. Nada nos pode dar mais prazer. É por isso que não tenho a certeza", prosseguiu, "se não teria a coragem de me atirar borda fora só para ser salva por um marinheiro".



Virgínia Woolf, Orlando

Orlando, Sally Potter
(Tilda Swinton)

5.6.07

the sun blooms, it is a geranium



(…)
does the sea

remember the walker upon it?


Sylvia Plath, Mystic



foto de katia chausheva

3.6.07

...




as sombras. oiço-lhes o ruído desarrumando-me os desassossegos


foto de Snjezana Josipovic

1.6.07

*why did you not look at me, Iokanaan?

(...)
I need
the darkness
the sweetness
the sadness
the weakness
I need this
...

Natalie Merchant
(my skin)



corpo crivo a desejar tréguas na luz
dorida do dia açucenas mãos desenham pensamentos
em labirinto coalhado de palavras



foto de ira bordo
*oscar wilde, salomé